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Em abril de 1983, aos 79 anos, morria uma das mentes mais brilhantes da história da dança. Após uma vida dedicada ao movimento e à construção de novos paradigmas na estética a partir de uma relação estreita com a técnica clássica, o mundo das sapatilhas perdia uma de suas maiores estrelas. Meses após perdermos um dos coreógrafos mais expressivos do século XX, o mistério da morte de Balanchine era solucionado. Diagnosticado com Creutzfeldt-Jakob, a doença neurológica que o levou, o coreógrafo russo deixava os palcos da vida ironicamente por uma degeneração cerebral capaz de prejudicar seus movimentos.
O artista que propunha ver a música e ouvir a dança
Para os amantes dos pas de bourrées não é nenhuma novidade a aproximação de Balanchine com o compositor Igor Stravinsky. A amizade de dois grandes gênios da arte exibia nas coreografias uma dança intimamente ligada à música e uma música que era o próprio movimento. Juntos, propuseram obras que perduram até hoje nos repertórios de grandes companhias do mundo todo.
George M. Balanchine nasceu em São Petersburgo na Rússia, estudou música quando criança e aplicou sua expertise no piano em suas múltiplas danças que não somente exibiam musicalidade ímpar, mas que traziam movimentos e linhas mais expansivas, variações rápidas e que mesclavam um alto rigor técnico com gestuais simples. Quem não se lembra da abertura de Serenade, quando o corpo de bailarinas, em um piscar de olhos, iam da sexta para a primeira posição, um movimento simples, pequeno, mas que já prendia o público naquele instante inicial em uma obra de grande complexidade técnica e artística.
Uma doença capaz de impedir o movimento para uma estrela do movimento
A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma patologia neurológica que afeta o sistema nervoso central. O paciente que desenvolve ou contrai a DCJ é acometido de demência severa e anormalidades nos movimentos, podendo apresentar acinesia (ausência de movimentos), espasmos musculares e modificações no andar.
A maior parte das pessoas que apresentam a doença morrem no período que compreende de quatro meses a dois anos.
O mistério da morte de Balanchine
Balanchine teve seus últimos momentos de vida quase sem apresentar movimentos e com uma demência severa. Um artigo do The New York Times de 1984, em tradução livre para o português, diz o seguinte:
“[Balanchine] mal podia se mover, deixando a dança sozinha, e também mal podia pensar, deixando a arte de coreografar sozinha.”
O coreógrafo deixou os palcos da vida após uma crise de pneumonia grave quando já apresentava um alto comprometimento neurológico. Contudo, somente meses depois o diagnóstico da doença que levou o artista era resolvido após amostras de seu cérebro serem levadas para o Centro Médico Presbiteriano de Columbia.
Tudo começou quando ficar em pé parecia ser um problema
Quando os primeiros sintomas surgiram, Balanchine percebia uma dificuldade em se manter em pé. Contudo, o diagnóstico de doença neurológica demorou a ser dado em razão do coreógrafo ter apresentado um problema cardíaco recente, ter alterações na pressão sanguínea e por ingerir uma série de medicamentos para controlá-la.
Em seus últimos anos de vida, o coreógrafo já não ouvia muito bem a música que alimentava sua rotina, já não enxergava as cores de suas danças em razão do deterioramento de sua visão e mesmo passando por diferentes médicos, as hipóteses nunca chegaram a um consenso. Até sua morte.
A dificuldade de ser visto em um estado desajeitado
Em setembro de 1982, Balanchine foi levado para um hospital em Washington após apresentar sintomas de uma gripe. Seu estado de saúde já era grave e inclusive se recusou a fazer uma biópsia de uma parte do encéfalo para que se investigasse mais a fundo sua condição.
Com o acometimento do controle de seus movimentos, o artista já havia quebrado várias costelas, mesmo com o cuidado de pessoas próximas.
Um tempo depois e após um período em casa já não era possível cuidá-lo por lá, Balanchine foi levado mais uma vez para o hospital.
Um relato de uma das enfermeiras diz que um dia tentou levá-lo para comer algo na cafeteria do hospital, mas Balanchine se recusou porque não queria que as pessoas o vissem naquele estado desajeitado.
Um pedaço da genialidade da dança em um pote de vidro
Após a morte do artista, uma amostra do tecido cerebral foi removida e colocada em uma suspensão líquida em um vidro para ser examinada por uma equipe de biomédicos e pesquisadores. O cérebro de Balanchine não apresentava mudanças significativas a olho nu, mas ao se atentar ao microscópio um dos médicos percebeu anormalidades que o levara a resolver o mistério.
Nunca se soube a verdadeira causa do desenvolvimento da doença no mestre dos palcos, a DCJ possui desde contaminações por agentes externos, até raízes genéticas.
A estrela do movimento fazia sua pausa
Balanchine foi grande. Ele não só descortinou uma dança que trazia a técnica clássica em seu mais alto rigor técnico, mas o fez com uma maestria tamanha capaz de deixá-la onde ela precisa estar, no pano de fundo do artista da dança. De certo, temos que ironicamente a vida levou o artista do movimento, interrompendo com seus movimentos.
A técnica possibilita, dá caminhos e direciona uma história, contudo, ela nunca foi o ingrediente capaz de ofertar o sabor ao público.
Ruim seria se a obra de Balanchine tivesse ficado somente em sua época, ao contrário, os movimentos do artista continuam entre nós, criando pontes entre os arabesques e o toque nos coraçoes.
# deixamover
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Referências:
THE DOCTOR’S WORLD; THE MYSTERY OF BALANCHINE’S DEATH IS SOLVED. The New York Times, 8 de Maio de 1984.
GEORGE BALANCHINE, 79, DIES IN NEW YORK. . The New York Times, 1 de Maio de 1983.
Iwasaki, Yasushi (2017). Creutzfeldt-Jakob disease. Neuropathology, 37(2), 174–188. doi:10.1111/neup.12355
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