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Imagine a seguinte situação: se preparar durante pelo menos uma década para ingressar em uma carreira profissional em dança, vislumbrar uma companhia do coração e no dia da audição… uma sala repleta de câmeras e vários computadores compondo a “banca” examinadora. Afinal, seria possível uma audição em que um computador escolhe os bailarinos?
Para responder essa pergunta vamos utilizar um estudo publicado em 2013 no Journal of Computational Science. Intitulado “Spatio-temporal Analysis of Kinematic Signals in Classical Ballet”, o estudo se ocupou em propor um sistema de análise computacional de movimentos específicos da dança, indo um pouco mais fundo que as análises biomecânicas tradicionais costumam fazer.
Vamos dar uma olha no estudo…
Uma análise biomecânica pode utilizar gravações com câmeras em alta resolução que detectam variações de marcações corporais no espaço. Esse método de análise permite uma perspectiva fiel do movimento humano e foi usada, por exemplo, em animações dançadas como os filmes da boneca Barbie.
Esses métodos se utilizam da variação dos ângulos formados entre as marcações corporais e estabelece uma leitura do movimento humano a partir de padrões previamente estabelecidos. A novidade deste estudo foi estabelecer uma modelagem computacional que estabelece uma complexidade na análise espaço-temporal das marcações, observando os padrões de movimento em vários planos de movimento, bem como suas correlações.
O estudo
A equipe analisou seis movimentos básicos da dança clássica: petit sauté, petit jeté, petit assemblé, petit echappé, pas jeté e a pirouette en dehors. Essa análise utilizou o registro de câmeras em alta resolução e marcações esféricas estabelecidas em diversas partes do corpo.
Com os dados em mãos, o que era movimento se tornou uma longa cadeia de vetores que particionaram cada movimento em uma série de dados capaz de serem aplicados em uma modelagem matemática.
Sim, parece difícil entender, mas é mais fácil do que parece (claro, sem entrarmos na análise das equações em si, aí já é um mundo bem complexo).
Os vetores
Um vetor nada mais é do que uma reta de um tamanho determinado orientada em um certo sentido e direção. Um dos grandes nomes da dança brasileira, Klaus Vianna, utilizou a ideia dos vetores para orientar sua metodologia de organização do corpo e movimento.
No estudo, entre cada marcação vista nas filmagens foi possível observar o comportamento delas a partir dos vetores. A relação entre eles deu um panorama do comportamento do movimento no espaço e no tempo. Isso permitiu que os cientistas pudessem identificar a transferência de peso, as partes do corpo recrutadas e, o mais importante, os momentos em que cada região foi recrutada para executar os passos.
Voltando ao estudo e seus resultados
Bailarinos profissionais do Balé Estatal de Berlim e alguns bailarinos amadores foram recrutados no estudo, isso foi necessário para que se pudesse observar uma possível variação e uniformidade em cada grupo na execução dos passos após a análise vetorial.
Os resultados apresentaram uma organização hierárquica da forma de execução de cada passo e, ainda, o grupo de bailarinos profissionais registrou uma série de movimentos que era mais gradual, contínua, sem que houvesse modificações bruscas na organização do corpo.
Alguns resultados são interessantes: os movimentos da cabeça na pirueta são menos delineados nos bailarinos amadores, tudo indica que o trabalho dessa região do corpo é mais funcional nos profissionais. Contudo, com esse método não foi possível avaliar o papel do olhar na execução do giro.
Uma outra variável utilizada no estudo foi a entropia do movimento, que nada mais é do que a medida de variabilidade das trajetórias durante a execução do passo. Os bailarinos profissionais apresentaram uma entropia menor, isso sugere que existe uma certa organização funcional presente na formação desse grupo.
Voltando a audição
Nossa pergunta inicial dizia da possibilidade de uma banca examinadora ser composta por lentes e processadores de computador. Bom, chegando aqui é possível defender que o estudo propõe a possibilidade de que a partir de alguns parâmetros bailarinos profissionais e amadores podem ser descritos a partir de variabilidade de suas trajetórias de movimento no espaço.
Ocorre que retomamos a uma discussão antiga aqui no site, já descritas em outros textos: um bailarino não é composto só de movimentos.
As lentes potentes e o alto grau de processamento da informação ainda são incapazes de ler emoções e intenções de um artista e é nesse lugar que residem a máxima da dança e não em uma sequência biomecânica funcional.
#deixamover
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