De que forma é possível melhorar alongamento e flexibilidade trabalhados funcionalmente e em parceria com o trabalho de força?
Nesse texto mergulhamos um pouco mais fundo sobre o Método RP2 Mobilidade Funcional (RP2 – MF) . Uma pesquisa teórico prática com mais de 40 anos no campo desenvolvida pela Prof. Ms. Meg Mendonça.
Disparador inicial
Dentre uma ampla rede de propostas que almejam o equilíbrio do corpo e da mente a partir do movimento alguns questionamentos surgem. Um universo de práticas corporais complexo pode ser visto como uma reunião de múltiplas possibilidades, mas também como um emaranhado de similaridades. Nesse contexto, é impossível escapar da experiência de cada proposição para que as respostas possam ser alcançadas. Incorporado à experiência, o conhecimento e divulgação de técnicas e métodos em educação somática une o desejo e o estudo de professores e criadores com seu público-alvo. Com isso, após somar uma experiência de quase dez anos como professor do RP2 – MF busco aqui trazer o relato de um processo didático a partir das proposições do método, um ponto na curva de complexidades do universo a qual me referi inicialmente.

Mente-corpo no contexto do RP2 – Mobilidade Funcional
É importante ressaltar que neste texto abdicarei do aprofundamento conceitual da relação mente-corpo e tomaremos por mente um elemento alocado no sistema nervoso, na matéria. Portanto, assumindo uma relação de identidade entre si em que estados mentais = estados cerebrais (TEIXEIRA. 2000, p.60). Ainda no que tangencia essa relação, o conceito de imagem seguirá para nós alocada nessa própria identidade, com o que irei tratar a seguir. Esse recorte se faz necessário para que a integração entre mente e corpo no contexto do RP2-MF seja delineado e, não extingue a série de críticas que as proposições das teorias identitárias são alvo, mas, para nós aqui, servirão como condutor para mergulhar no que o método propõe.
O Método
O RP2 – MF se apresenta no universo das práticas somáticas como uma perspectiva de experiência do movimento em um jogo das estruturas corporais em que força funcional, flexibilidade e alongamento trabalhem em harmonia. Um trabalho coordenado a partir de um amplo processo atencional, esse sob as imagens que se criam na trajetória de movimento e nas posturas do corpo no espaço.
Em 1983, a professora Meg Mendonça se lança em uma pesquisa teórico-prática a respeito do alongamento e flexibilidade e, cinco anos depois, no âmbito do Encontro Técnico de Academias, Clubes e Associações – ocorrido na Bienal de São Paulo, apresenta o RP2 – Método de Alongamento, o que viria se tornar o que é conhecido hoje como RP2 – Mobilidade Funcional.
A decisão pela mudança da composição do nome principal do método ocorre em grande parte pela constatação ao longo do tempo de que o termo mobilidade funcional abarcava de maneira mais apropriada um treino em que não só o alongamento estava em jogo, mas sim, uma série de processos biomecânicos, fisiológicos e neurais do movimento humano presentes na prática.
Minha história
Minha experiência inicial com o método se deu ainda durante minha formação em técnica clássica na Escola Paulista de Dança em 2008. Por lá, o método era aplicado antes das aulas, após a barra de balé e, algumas vezes, no fim das aulas. O desejo era encontrar uma experiência em alongamento e flexibilidade que dialogasse tanto com a performance física, quanto com o bem estar.
Em síntese, o RP2 – MF, reúne manobras cinésio-funcionais para o equilíbrio entre as forças atuantes sobre o corpo, esse equilíbrio se dá no ajuste do movimento nos planos corporais, pela adequação da mobilidade das articulações e pelo ganho fisiológico do alongamento das fibras musculares. Além disso, o trabalho traz em si um recrutamento constante dos processos atencionais na observação do alinhamento das estruturas sobre as trajetórias de movimento que seguem em sua execução, ademais, o uso das imagens motoras abraçam a prática na perspectiva de uma experiência que integre o corpo/movimento que se imagina e o corpo/movimento que age no mundo.

Os dois R’s e P’s
O RP2 – MF se organiza em torno de seus quatro princípios: respiração, relaxamento, passagem e postura. Em cada um deles, se observa uma orientação para a prática e uma maneira específica de lidar com cada termo.
Respiração
É a busca pelo fluxo contínuo de troca de energias e pela noção de preenchimento e esvaziamento, desta forma, não se enquadra uma única maneira de respirar, podendo o aluno ajustar esse mecanismo a sua prática desde que observe uma resposta funcional de seu corpo/movimento e sua percepção de bem estar. Como instrutor do método costumo orientar a respiração em três fases contínuas e cíclicas: o inspirar, o preencher e o esvaziar. Desses três momentos, o preencher é o lugar na percepção em que é possível perceber a respiração como movimento no corpo e, não só, como troca energética. Ainda sobre esse princípio, busca-se descobrir novas percepções da respiração que se integram à própria ação motora, incorporando a duração desse processo e sua intensidade nas trajetórias de movimento.
Relaxamento
Aqui se apresenta como o fruto da integração, a sensação de unidade e conexão – o estar pronto. A imagem do relaxamento como termo para a entrega passiva do corpo se distancia do que acredita-se no RP2 – MF. Relaxar, é mais estar condicionado a uma resposta equilibrada, um estado em que as forças estão extremamente presentes. É aquilo que costumo chamar de força de conexão – um conjunto de vetores necessários para a ação do movimento ou manutenção da postura que não sobrecarregam a estrutura, que não vão além do que é pedido por ela.
Desta forma, acumulei experiências na orientação do método como aquecimento/preparação de atletas e artistas do corpo para suas respectivas práticas. A imagem recorrente que utilizo nas aulas para ir ao encontro dessa força de conexão é a de manter pressionada uma folha de papel de seda entre as palmas das mãos, de tal forma que a força aplicada para mantê-la não a amasse, mas que também não permita que ela escape dentre as mãos.
Passagens
A trajetória de um ponto ao outro vivida em ampla conexão, essas são as passagens as quais se refere o método. Pois, mover, nos permite olhar cada estágio presente nessa ação. Para cada estágio de pequenas pausas, existe uma conexão, uma ligação entre elas e embora cada uma delas se decomponha em pequenas posturas, a integração delas compõem o que se intitula por passagens – os movimentos que nos levam de uma postura a outra, de uma checagem a outra. Com isso, percepção tátil, visual e somática alimentam o aluno na construção desse filme de movimento contado entre esses dois (ou mais) pontos distintos.
Postura
Por fim, compreende-se postura como o elemento chave na estruturação da auto-imagem, da forma como imaginamos ser e como somos no mundo real – se é que podemos ter acesso a essa última constatação. É a série de fotos que nos ajudam a ir ao encontro do que o método propõe por registros de estabilidade máxima, isto é, momentos que realizamos um check in do corpo naquela postura.
Ela está atrelada ao desejo de alcançar quem queremos ser, é uma experiência de ir ao encontro do eu, pelo movimento. A postura é então o lugar de empoderamento do corpo e de sua percepção de alinhamento estrutural, sensível e subjetivo.

As imagens de Movimento
A imaginação é uma perspectiva de integração recorrente nas práticas corporais. No contexto do RP2 – MF essa integração é alimentada pela observação das passagens e posturas de movimento sob imagens específicas, imagens essas que cooperam com a noção dos planos e eixos espaciais, além de figuras que qualifiquem a ação motora em torno de uma execução esperada, uma qualidade de movimento, aproximando-se do termo labaniano [1] .
Essa perspectiva no método a respeito de como melhorar o alongamento e flexibilidade, se alicerça sobretudo no fato do cérebro humano, em específico o córtex motor, responder de uma forma muito semelhante ao movimento executado e ao mesmo movimento imaginado (sem sua execução propriamente dita no espaço). Essa ativação semelhante também é fruto de um tema de pesquisa intitulado por Motor Imagery [2] , o qual vem sendo usado tanto na reabilitação motora, quanto na performance de movimento.
Mente e Corpo
Trago de volta a introdução sobre a identidade mente-corpo para caracterizarmos mente. No que diz respeito ao método, a imagem de movimento – como um processo que responde e afeta a ação motora = mente. Assim, retomando a importância de práticas que alinhem em sua perspectiva a busca pela percepção do movimento sob as imagens que se formam no imaginário. Notando aqui que emoção, sentimento e subjetividade não foram trazidos para a discussão, necessitando de uma reflexão para outros textos além deste.
Imaginar as passagens em torno de uma imagem específica qualifica a ação motora e esse é um dos principais interesses do método. A integração da noção dos planos e eixos com o movimento nos fornece uma resposta biomecânica funcional, permitindo, inclusive, que o corpo possa agir de forma a entrar e sair desses alinhamentos. Dessa forma, com menos riscos de lesões, pois, de fato, o movimento no mundo se dá no diálogo entre os planos e eixos, observando que essa conversa nem sempre ocorre em apenas um deles.
Assim, essa análise minuciosa, fragmentada, é uma ferramenta didática para a organização do corpo e movimento no espaço na complexidade que o mover guarda em si em sua relação com o mundo, mas não uma tentativa de romper com os diálogos que os planos e eixos exibem.
Como a história até aqui contribui para meu alongamento e flexibilidade?
Temos então que melhorar os parâmetros alongamento e flexibilidade se dá por fatores amplos e não somente musculares. O processo RP2 – MF reúne perspectivas que possam se tornar visíveis no intuito de alimentar a discussão sobre a complexidade de práticas em educação somática. Um elo que guarda uma via de mão dupla entre professor e aluno. Esta via conta com aquilo que retorna da intenção metodológica e que só então fecha o elo para que o ciclo retome o fluxo.
As diferentes práticas em educação somática estão em busca do outro para fechar tal elo. O aluno será a peça que completa esse quebra cabeça e aí, com ele montado, método e aluno olham entre si e fecham o acordo.
Referências
Dickstein, R., & Deutsch, J. E. (2007). Motor Imagery in Physical Therapist Practice. Physical Therapy, 87(7), 942–953. doi:10.2522/ptj.20060331
TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente Cérebro & Cognição. Editora Vozes. 2000
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[1] A utilização do termo [qualidade de movimento] não carrega o desejo de incorporar o que é observado no RP2-MF ao sistema de movimento desenvolvido por Laban, pois este traz em si uma caracterização da ação motora em torno de uma série de especificidades não aplicáveis neste contexto. As qualidades de movimento, por Laban, se aproximam aqui no sentido de preencher o movimento com uma imagem/verbo específica. Uma contribuição para a funcionalidade e aprendizagem desse.
[2] Compreendemos o termo como o processo mental de se imaginar um movimento sem que haja em si uma resposta motora no corpo. O termo para a neurociência traz à luz uma série de integrações de processos ligadas ao movimento humano: sensação, percepção e memória, para citar alguns. O interesse em se estudar Motor Imagery surge sobretudo com estudos que indicaram uma reorganização e reabilitação do sistema nervoso na presença de treinos com MI em pacientes com prejuízos motores (Dickstein, R., & Deutsch, J. E., 2007).
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